Paras as crianças e adolescentes millennials, a Nickelodeon sempre foi uma memória afetiva viva. Cheia de cores, um humor bastante peculiar e personagens únicos que pautavam tardes inteiras no sofá, a popular emissora norte-americana rapidamente se esgueirou para dentro dos lares de famílias entre os anos 90 e 00, se tornando fundamental na construção cultural de toda uma geração. No entanto, para muitos de seus astros, o amado canal é também uma densa sombra que os persegue com algumas das lembranças mais dolorosas.
Muitas delas vieram à tona na nova minissérie documental lançada no streaming MAX, Quiet on Set: The Dark Side of Kids TV. Com quatro episódios, a produção esmiuça o auge da emissora (entre os anos 90 e 2010), dilacerando alguns dos instantes mais sombrios vividos por membros da equipe de produção e principalmente seu elenco infantil.
Nascida em 1977, a emissora voltada para a programação infanto-juvenil viu sua história ser transformada com a chegada de Dan Schneider. Atarracado e habilidoso com as palavras, o jovem produtor se tornou o Menino de Ouro da emissora, redefinindo o significado de conteúdo infantil em 1994, com a estreia de sua primeira produção pelo canal, All That.
O programa de sketches inspirado no aclamado Saturday Night Live, voltado para o público infantil, foi o marco zero de algumas das figuras mais icônicas da audiência. Amanda Bynes, Kenan Thompson e Kel Mitchell tiveram sua estreia nas telinhas nessa série, que futuramente se desabrochou em outras duas sitcoms derivadas de enorme sucesso: Kenan & Kel e The Amanda Show. E foi nessa última que o mundo foi apresentado a Drake Bell e Josh Peck, que futuramente viriam a estrelar sua própria derivada, a amada Drake & Josh. Todas criadas e produzidas por Schneider.
Mas por trás de muito sucesso, abusos dos mais diversos foram relatados por aqueles que viveram boa parte de seu tempo nos bastidores da Nickelodeon. E com revelações tão escandalosas e difíceis, vieram também as reações mais diversas da audiência. E não seria por menos. De comportamentos estranhos, pedófilos condenados trabalhando nos bastidores e um escandoloso caso de abuso sexual envolvendo uma estrela mirim, é natural que todos fiquem em choque.
E o CinePOP separou as revelações mais escandalosas que Quiet on Set nos trouxe em seus quatro episódios. Com assuntos profundamente delicados apresentados, é fundamental ressaltar que o texto lida com temáticas sensíveis e pode não ser adequado para todos os públicos.
De acordo com o documentário, Brian Peck era uma figurinha carimbada na Nickelodeon e frequentemente fazia participações especiais nas principais séries infantis. Mas o que pouco chamava a atenção era o seu estranho relacionamento com Drake Bell. Na época menor de idade e despontando na Nickelodeon com a série The Amanda Show, o jovem foi gradativamente aliciado pelo Treinador de Diálogos, que garantiu que seus pais fossem afastados para que ele tivesse acesso mais fácil ao garoto.
Ao longo do 3º episódio de Quiet on Set, Joe Bell, pai de Drake, revelou ter percebido um comportamento suspeito por parte de Peck e cuidou para que ele jamais ficasse só com seu filho. No entano, Brian teria manipulado Robin Dodson, mãe do ator, forçando Joe a abrir mão de continuar empresariando e acompanhando o garoto em seu trabalho. Ainda assim, antes de ser afastado de Drake, o patriarca exigiu que sua ex-esposa monitorasse o filho e jamais o deixasse perto demais do funcionário da Nickelodeon. Infelizmente ela não seguiu sua recomendação.
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Com Peck se aproximando cada vez mais de Drake, rapidamente ambos começaram a passar mais tempo juntos, a ponto do ator ficar noites inteiras na casa desse colega, julgando que seriam grande amigos. No entanto, foi ali que os abusos começaram. E embora o astro não tenha especificado toda a violência que sofreu, os autos do processo são apresentados no documentário, evidenciando que Bell teria sido vítima de sodomização, penetração com objetos distintos e uma série de outras práticas sexuais.
Em sua entrevista, Drake afirma “apenas pense nas piores coisas que alguém poderia sofrer. Foi isso”.
Em 2003, antes mesmo do início das gravações da 1ª temporada de Drake & Josh, o ator admite para sua mãe ter sido abusado sexualmente, dando início a uma caçada por Peck. Drake é orientado pela polícia a conseguir uma confissão de seu agressor por telefone, acarretando em sua prisão em flagrante e eventual condenação após o julgamento.
Sua sentença foi apenas de 16 meses, resultando também em sua auto declaração como “sex offender”. Tal informação se torna um registro permanente vinculado ao nome do agressor, como forma de alerta para o restante da população. Ainda assim, isso não o impediu de retornar a trabalhar em Hollywood. Pouco tempo depois do cumprimento de sua pena, Brian passa a trabalhar na série infantil Zack & Cody: Gêmeos em Ação, estrelada por Dylan e Cole Sprouse.
Em seu julgamento por abuso sexual de menor, Brian Peck recebeu 41 cartas de apoio de personalidades hollywoodianas, que estavam seladas e foram abertas pela primeira vez em 20 anos. Tais documentos são geralmente enviados para que a Corte avalie e pondere sobre a possibilidade de uma redução de pena.
Muitas das cartas solicitavam que o juiz colocasse Peck em liberdade condicional, ao invés de fazê-lo cumprir pena na prisão. Entre os apoiadores estavam atores como Ron Melendez, Alan Thicke, James Marsden, Rider Strong, Will Friedle e Taran Killam, ex-co-estrela de Bell em The Amanda Show.
Na carta de Marsden, o ator afirma “garanto-lhe que o que Brian passou no ano passado foi o sofrimento de uma centena de homens”.
Embora o caso de Brian Peck seja o mais chocante e detalhado no documentário Quiet on Set, outros dois funcionários da Nickelodeon foram condenados por pedofilia. Na primeira metade da minissérie, somos apresentados a Jason Hardy, assistente de produção de All That e The Amanda Show no início dos anos 2000. Amigável e carinhoso com todos, pais e filhos o consideravam uma presença confiável, agradável e prestativa nos bastidores das gravações e não suspeitaram de nada quando ele pediu o número de telefone e a autorização para trocar e-mails com os menores.
O caso mais severo envolvendo Jason foi o abuso de uma atriz mirim convidada para a série Primo Skeeter. Ela teria sido abusada em sua própria casa, em 2000. Na ocasião, o abusador lhe convenceu a não contar nada para sua mãe, sob a promessa de que conseguiria novos papéis em outras séries para ela.
Handy foi preso em abril de 2003 depois que a polícia recebeu uma denúncia. Durante a operação na sua residência, foram encontradas mais de 10 mil fotos de crianças, mais de 1.700 imagens de meninas em poses eróticas e sete vídeos em um CD, que traziam menores envolvidos em conduta sexual explícita. Em seu diário pessoal, também encontrado pelos policiais, Jason escreveu frases como: “Eu sou um pedófilo, totalmente desenvolvido”, “Eu realmente tenho cedido ao meu desejo por meninas nas últimas semanas” e “Eu até me esforço diariamente para encontrar uma vítima de estupro, se for necessário”.
Ezel Channel foi um outro funcionário da Nickelodeon que trabalhava no lote da empresa em Burbank. Ele foi condenado por abusar sexualmente de um menino menor de idade na parte externa do estúdio. Channel já possuía uma condenação anterior e era um criminoso sexual registrado, mas ainda assim teve permissão para trabalhar na Nickelodeon. O documentário não entra em detalhes sobre esse caso em questão, mas observou que a emissora teria empregado três abusadores de crianças durante a mesma época, colocando em risco a vida de diversas crianças.
Segundo as alegações, embora Dan Schneider se esforçasse para passar uma imagem pública de um chefe agradável e brincalhão, seu comportamento constantemente exarcebado e exagerado na verdade era absorvido como problemático. Além dos supostos rompantes de violência verbal, em que chamava seus protagonistas de “idiotas”, suas “brincadeiras” eram consideradas invasivas, deixavam o elenco desconfortável e pressionado a fingir estar se divertindo com seu jeito.
Ao longo do documentário, duas de suas roteiristas, Christy Stratton and Jenny Kilgen, afirmaram terem sido forçadas a dividir seu salário, enquanto os colegas homens recebiam o valor cheio. Ambas também compartilharam circunstâncias constrangedoras, como Schneider insistindo para que uma delas reproduzisse uma cena escrita de maneira sexual diante dos demais profissionais.
Além disso, Dan tinha o hábito de solicitar massagens frequentes para os seus funcionários e era conhecido por tratar alguns de seus atores com favoritismo, enquanto outros eram depreciados e relegados. Seu comportamento moralmente reprovável eventualmente lhe custou sua demissão em 2018. Antes disso, ele chegou a ser proibido de interagir diretamente com o elenco de suas séries.
Quiet on Set conta com uma coletânea de entrevistas feitas com ex-astros mirins das séries mais amadas da Nickelodeon. Os atores de All That e The Amanda Show, Leon Frierson, Katrina Johnson, Raquel Lee Bolleau, Giovonnie Samuels, Kyle Sullivan e Bryan Christopher Hearne revelaram quadros costrangedores e estranhos que tiveram que protagonizar. Em um deles, o jovem elenco era forçado a passar por situações pesadas como entrar em uma banheira repleta de minhocas, comer um inseto ou ser coberto por pasta de amendoim e ser lambido por um cachorro.
Já a atriz Alexa Nikolas, de Zoey 101, fala sobre a hipersexualização de sua personagem, a necessidade de usar roupas bem curtas e protagonizar momentos com conotação sexual.
Além disso, a minissérie aborda a suposta obsessão de Dan Schneider com pés. Não é de hoje que circulam vídeos nas principais redes sociais que reúnem compilados de cenas bizarras de séries da Nickelodeon que envolvam pés e movimentos sexuais. Esses materiais são novamente trazidos à tona sob uma ótica ainda mais analítica, onde o senso de humor depreciativo e um tanto vulgar do criador é questionado.
Todos os ex-atores mirins entrevistados revelaram eventualmente ter sofrido algum problema de origem mental e emocional, após seu tempo de trabalho na Nickelodeon. De problemas com autoestima a abusos de substâncias químicas, cada um dos participantes revelou ter vivido parte de sua vida adulta com alguns traumas nascidos deste período da infância/adolescência.
Frierson revelou que “ser uma estrela mirim me machucou mental e fisicamente. Acredito que o alcoolismo com o qual enfrentei é uma conexão direta com os sentimentos que tive depois de deixar a indústria e de não conseguir manter o sucesso que tive”.
Bolleau admitiu que ter sido “dispensada do The Amanda Show realmente quebrou muito a minha confiança. Essa foi uma lição muito jovem que aprendi na minha carreira, que todos são substituíveis. E isso me levou por um caminho muito sombrio. Eu tive que realmente me recompor e continuar em movimento em uma indústria que me mostrou desde muito cedo que não tinha nenhum amor por mim”.
A primeira grande estrela da Nickelodeon, Amand Bynes foi descoberta pela emissora aos 10 anos de idade, fazendo um curto stand-up em um pequeno pub. Seu senso de humor afiado e sua habilidade de improviso sendo tão jovem chamaram a atenção de Dan Schneider, que rapidamente a colocou debaixo de sua tutela e a ajudou a se tornar o grande destaque de All That.
Seu sucesso escalonou ainda mais com a estreia de sua própria série de sketches cômicos, The Amanda Show. Mais experiente e à vontade com o formato, ela eventualmente se tornaria uma contribuinte direta para a produção dos quadros, passando horas no gabinete de Schneider onde ambos discutiam ideias e possibilidades de melhorar o programa.
Ao longo da primeira metade de Quiet on Set, somos relembrados a respeito do rápido amadurecimento da atriz, que contou com a ajuda de Dan para se emancipar de seus pais. A jovem atriz também chegou a morar temporariamente na casa do criador, mas pouco se sabe a respeito desse período da vida dela. Ainda assim, a produção faz questão de resgatar o famigerado vídeo em que a pré-adolescente grava um sketch dentro de uma jacuzzi, trajando roupa de banho, ao lado do produtor – que está completamente vestido.
E embora a espiral de declínio da atriz seja uma das histórias de ex-astros mirins mais dolorosas e tempestuosas, pouco se sabe do que ela teria vivido durante seus anos sob a tutela da Nickelodeon. Amanda ainda não se sente pronta para abordar o assunto e não participou do documentário. Sua jornada continua sendo alvo de muitas perguntas, poquíssimas respostas e uma enorme curiosidade.
Vale lembrar que circulam na internet rumores de que Amanda teria ficado grávida ainda na adolescência, de um famoso produtor. No entanto, a especulação não é abordada na minissérie.
Relembre o trailer: