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Crítica | Grande Sertão

Crítica | Grande Sertão


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É notável a empreitada de Guel Arraes e sua equipe ao trazerem para as telonas um dos marcos da literatura brasileira, “Grande Sertão: Veredas” de Guimarães Rosa, transformando-o em uma obra cinematográfica. Não se trata de uma tarefa simples, dada a complexidade das digressões e das abordagens singulares presentes na obra, que, apesar disso, é cativante e exerceu influência sobre uma miríade de escritores posteriormente. A adaptação requer não apenas fidelidade ao texto original, mas também a habilidade de capturar sua atmosfera distintiva e peculiar. 

Um exemplo notável é a abordagem de Luiz Fernando Carvalho em sua recente adaptação de “A Paixão Segundo G.H.”, de Clarice Lispector, onde ele conseguiu não só traduzir a linguagem literária para a linguagem cinematográfica, mas também incorporar a essência da autora tanto na narrativa quanto na interpretação visual, como evidenciado na representação de Maria Fernanda Cândido na tela.

Arraes, reconhecido por sua habilidade em adaptar clássicos, decide assumir o desafio de trazer a obra de Rosa para uma nova era, narrando-a a partir de uma perspectiva futurista, onde o Sertão se transforma em um complexo urbano, assemelhando-se aos morros do Rio de Janeiro. Nesta reimaginação, Caio Blat assume a produção de Riobaldo, enquanto Luísa Arraes encarna o papel de Diadorim, um dos personagens mais emblemáticos da literatura nacional, ao lado de Bentinho e Capitu de Machado de Assis, e a Macabéa de Lispector. No entanto, apesar das boas intenções e do talento envolvido, o projeto acaba se perdendo em suas escolhas. 

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A iniciativa de abordar a trama sob uma perspectiva contemporânea revela uma preocupação legítima em explorar questões de violência e disputas de poder. Porém, a maneira como essa violência é retratada parece mais focada na estética visual, muitas vezes associada a produções cinematográficas e de streaming que privilegiam a exibição gráfica de conflitos. É evidente a ambição do filme em fortalecer sua imagem, mas algumas decisões acabam por emular demasiadamente o estilo de produções televisivas, resultando em uma estética que pode parecer derivativa. Busca-se, através da montagem, uma concatenação de ideias que refletem uma nova forma de encarar a ação e a fisicalidade, chegando a um ponto em que a ideia de gerar caos a partir da edição se torna, de fato, uma bagunça.

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Crítica | Grande Sertão 7

Em uma outra perspectiva, Grande Sertão também enfrenta desafios em suas sequências mais grandiosas, onde a violência da disputa se intensifica e o texto adquire uma tonalidade mais poética. A abordagem do elenco parece refletir uma tendência à teatralização, uma característica que já encontramos em outros trabalhos de Guel Arraes. Isso se manifesta na maneira como as marcantes palavras de Guimarães Rosa são entregues, resultando em momentos onde a intensidade muitas vezes é confundida com histrionismo. Essas duas formas de representação – a televisiva e a teatral – parecem não se harmonizar completamente, criando uma experiência que oscila entre o frenético e o poético de maneira desconexa.

A decisão de manter a linguagem do livro é, sem dúvida, uma escolha interessante, que evoca comparações com a abordagem de Baz Luhrmann em sua versão de Romeu e Julieta, tanto para o bem quanto para o mal. No entanto, a variação nas abordagens de cada ator pode transformar o que poderia ser um trunfo em uma experiência cansativa para o espectador. Embora Caio Blat e Luísa Arraes não alcancem uma harmonia consistente ao longo do filme, Luís Miranda e Eduardo Sterblitch parecem captar não apenas o texto, mas também as ambições estéticas de Arraes de maneira mais eficaz. Não é por acaso que suas performances agregam profundidade aos personagens, enriquecendo-os e impedindo que caiam na armadilha do caricato, o que poderia resultar em um pastiche indesejado. 

Contudo, o filme como um todo parece carecer dessa harmonia essencial entre texto, imagem e complexidade. A sensação é a de um projeto repleto de boas intenções que, para usar uma metáfora interna, nunca alcança o ponto mais alto do complexo desejo de adaptação. Suas ambições são dignas de nota, mas infelizmente, ao chegar ao fim, o espectador é confrontado com um sentimento de exaustão em vez de realização.





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