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guerreira, heroína ou mulher invisível?

Camila e os filhos

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A proposta da nossa conversa hoje seria falar sobre mitos e verdades sobre a maternidade atípica. De tão atípica, tudo que passamos nessa experiência é muito peculiar para cada mãe e minha visão do que é real ou não se desconstrói e se molda a cada novo ciclo. Eu tenho dois filhos com a mesma deficiência, no mesmo grau de TEA com nível de suporte 1 e ambos têm demandas completamente distintas e me desafiam de jeitos totalmente diferentes. Então vou contar um pouco sobre as minhas sensações, sobre a perspectiva do nosso caminho, conforme a leitura que faço das experiências que vivemos.

Eu poderia hoje dizer sobre os inúmeros altos e baixos de tarefas, de uma rotina caótica e da enorme celebração que acontece quando nossos filhos avançam e evoluem, porque quando o assunto é a deficiência de um filho, eles são os protagonistas: seus desejos, sua felicidade e bem estar, seus sonhos, sua autonomia.

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Os rótulos da maternidade atípica

Embora muito se fale sobre os filhos, hoje quero falar além da maternidade atípica em si, quero dar luz para aquela mulher que parece uma rocha, mas que precisa ser vista e abraçada e cuidada. De acordo com o Instituto Baresi, são grandes os índices de abandono físico, financeiro e emocional entre as mães de crianças com deficiência. Hoje eu quero falar da mãe atípica que passeia pelos rótulos de vítima, de guerreira, heroína e escolhida por Deus, mas que no final, na grande maioria das vezes, é uma mulher sobrecarregada e invisível.

A guerreira batalha, luta e sofre, até porque em nosso país os direitos mais básicos das pessoas com deficiência são ignorados e precisamos de força, de coragem e de um tanto de ousadia para conquistar o básico para nossos filhos, seja o acesso à saúde, medicação, acessibilidade, visibilidade, respeito ou educação especializada. Quando essa mãe perde, vai de guerreira à vítima em segundos. E ser ora guerreira ora vítima, sinceramente, não me dá orgulho. Eu queria que fosse simples, ia ser bom pra todo mundo não precisar lutar, já que a rotina da maternidade atípica por si só é uma montanha russa de angústias e alegrias que nos oferece emoção, complexidade e cansaço suficientes.

entre os desafios da maternidade atípica, Camila também é escritora, palestrante e empreendedora.

Em muitas famílias, a mãe atípica precisa pedir para ser cuidada, porque todos nos veem como uma fortaleza auto suficiente e esquecem que precisamos de colo, que a gente tem o direito de chorar e de ser abraçada na nossa vulnerabilidade. Quando isso não acontece, nos falam que a culpa é nossa, porque não pedimos e não falamos. Validar suas necessidades, surpreender com café na cama, uma massagem, uma mensagem de carinho podem mudar o dia dessa mulher.

Quando o assunto é trabalho a invisibilidade é ainda maior. Temos uma resiliência treinada, uma paciência desenvolvida e um senso de espera fora do comum, porque a maternidade atípica nos exercita isso, mas não por isso queremos ser deixadas para depois. Por dentro e por fora dessa mãe atípica, tem uma mulher cheia de potência, que tem total condições de pôr suas competências a serviço de outras causas, que pode gerar renda, agregar valor e que precisa apenas de acordos, certa flexibilidade e reconhecimento.

Humanizando e abraçando as mães

Para mim toda criança, independente se tem ou não uma deficiência, é um ser de luz e eu não sou iluminada e santificada por ter recebido filhos com deficiência. Aliás, para lidar com pessoas com deficiência a gente precisa de intenção, interesse, informação, vontade e carinho, nada sobrenatural. Tenho minhas crenças, fé e forças, mas meus tropeços e vontades como ser humano. Me libertar dessa imagem imaculada, por mais que seja bonita e massageie o ego algumas vezes, me deu espaço para viver outras coisas além da maternidade, considerando que hoje meus filhos são mais autônomos e estou num novo ciclo com eles, com menos dependência e novas preocupações.

Eu trabalho com inovação e tecnologia, ganhei prêmios, estudo muito, escrevo livros, dei palestras em congressos e multinacionais, mas preciso performar muito acima da média para ganhar a vida e para me destacar nesse palco como Camila Comitre, porque a mãe da Mari e do Mumu sempre é o papel principal e sagrado acima de todas as coisas. Um papel que eu amo, que é o mais importante da minha vida, que mudou minha carreira, mas que não pode ser o único. E eu tenho esse direito de existir além da maternidade. Não deixo de ser mãe quando sou algo a mais – tudo é uma soma.

Camila é autora da coleção "Aprendendo o Bê-a-Bá" da Dentro da História

Se você que me lê é uma mãe, em especial mãe atípica, sinta-se vista e abraçada e lembre-se que você está indo muito bem, fazendo o seu melhor e que você merece muito, sempre mais. E que tudo bem se cansar de vez em quando. Se cansar de “vez em sempre”, isso não tira seu valor.

E para os demais leitores queridos, que chegaram até aqui eu digo: abrace e cuide de uma mãe. Se ela for atípica, abrace, cuide e leva ela pra tomar um café. Pra falar de sonhos e de outros assuntos além da maternidade, para simplesmente ouvir e acolher. Se você é o pai, familiar ou amigo, leva ela pra uma viagem, dá um day spa. Se você mora com ela, pensa em como dividir as tarefas de maneira mais justa. Acompanha uma terapia, dá uma conversada na escola. Se você tem algum poder de decisão no mercado, ofereça uma oportunidade de trabalho, pergunte da saúde dela, se ela tem dormido e se alimentado bem.

Quando são vistas e se sentem queridas, amadas e são bem cuidadas, o mundo fica melhor. E essa coisa de multitarefas tá ficando fora de moda e, como diziam os Titãs, “a gente não quer só comida”. Feliz Dia das Mães. Feliz vida para todas as Mães.

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