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Ambientado na década de 1990, Tesouro (Treasure) narra a história da jornalista Ruth (Lena Dunham) em uma viagem para a Polônia acompanhada de seu pai Edek (Stephen Fry), sobrevivente do holocausto que passa a revisitar lugares em que passou a infância e decide sabotar as férias para não ter que reviver o passado sombrio.
É comum para alguns cineastas uma abordagem fora do convencional de temas delicados no intuito de apresentar e desenvolver uma narrativa que ostente de sua assinatura como artista e de se diversificar em meio a tantas produções semelhantes. Porém, todo cuidado é necessário para não amenizar, ou até banalizar (mesmo que não haja intenções para tal) uma temática que requer minúcia e sensibilidade no seu tratamento. Para descrever Tesouro (Treasure), de Julia von Heinz, é preciso ter conhecimento das boas intenções de seu argumento, mesmo que o resultado final do filme chega a frustrar por, justamente, não zelar por essa necessidade de cautela nas suas abordagens.
Ao retornar para o seu país natal, Edek, sobrevivente do holocausto que tenta apagar de sua memória os horrores que vivenciou neste período sombrio da história, se vê em um constante choque com lembranças reprimidas e a necessidade de livrar-se delas, não só pela própria saúde mental, mas também para aproveitar as férias que está passando ao lado de sua filha, a jornalista Ruth, recém divorciada e amargurada que está tentando descobrir mais de suas origens, a ponto de não perceber as limitações do pai que se vê sufocado por memórias e traumas, mesmo que implicitamente. Edek, porém, também decidiu excluir memórias importantes de sua infância, o que frustra Ruth, pois ela almeja resgatar pontos importantes de seu passado, como a história da família de seus pais que foi dizimada pela Alemanha nazista. Através deste argumento, poderoso e repleto de possibilidades para um drama deveras comovente, com um certo grau de sarcasmo ou até de uma típica comédia de erros para aliviar o peso de suas temáticas, era esperado que Tesouro pudesse atender ou até superar as expectativas que foram criadas.
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Há no texto do longa-metragem, assinado pela própria diretora Julia von Heinz e John Quester, uma notável sensibilidade ao se discutir a necessidade de se apagar de um passado traumático e a coragem de resgatar dentro dele lembranças necessárias e reconfortantes, como simples fotos de família, um casaco antigo ou até um conjunto de porcelana. É triste, por outro lado, que a adaptação dessa ideia tenha sido aplicada faltando um apelo sentimental adequado em mais da metade do longa, parecendo se entregar ao mecânico e ao trivial a fim de se apresentar mais impactante do que apenas sensível.
Tal impacto, porém, não funciona devido ao tom bizarramente normal colocado em cena. Há uma mínima sutileza no desenvolvimento dos sentimentos de Edek e muito disso vem graças a grandiosidade de Stephen Fry na atuação de seu personagem, mas que não chega a sustentar a carga dramática necessária, nem a dar ao filme o alívio cômico proposto. Quando entra em cena o tardio terceiro ato, finalmente se põe em prova a seriedade de toda a situação, chegando como um verdadeiro soco no estômago o fato de o passado, por mais doloroso que seja, jamais ser esquecido para que não se repita. Ruth, vivida por uma Lena Dunham ora inconveniente e cega, ora racional e instigante, é uma personagem que tem seus problemas pessoas, mas acaba servindo de guia para que Edek reconheça a necessidade de não esquecer. A dupla Fry e Dunham funciona por serem opostos e por atribuírem bastante espírito aos seus personagens problemáticos e humanos.
Há momentos em Tesouro que podem ser considerados belos, apesar do evidente apelo para o sentimentalismo tardio, como as cenas no campo de extermínio de Auschwitz e quando Edek desenterra seu tesouro na sua antiga casa. Momentos estes de fato bonitos, mas que fariam muito mais sentido se o filme tivesse todos os cuidados necessários para a abordagem de suas temáticas desde o início.
Tesouro é um filme que inicia uma conversa conturbada com o drama e a comédia ao mesmo tempo, a ponto de quase se perder. No final, ele é sucinto em passar a importante mensagem de jamais esquecer.