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Em pouco tempo após sua estreia na Netflix em 2022, ‘Heartstopper’ se tornou uma das produções mais populares da atualidade, ganhando inúmeros elogios em virtude de sua representação da comunidade LGBTQIA+, de ótimas performances de um elenco estelar e de seu comprometimento com o material original assinado por Alice Oseman. E, com sua segunda temporada, a série nos surpreendeu com uma construção narrativa e técnica tão sólida quanto a anterior – preparando terreno para um terceiro ciclo recém-estreado na plataforma de streaming que mostrou que o time criativo estava guardando o melhor esse tempo inteiro.
Apostando fichas em um drama ainda mais profundo e intrincado que os ciclos predecessores, é notável como Oseman, aliando-se ao diretor Andy Newbery, sabe que pode acrescentar camadas mais complexas a cada um dos personagens – aproveitando que já teve a oportunidade de apresentá-los e descrevê-los de maneira bastante prática, bem como a chance de trazer reviravoltas aos arcos principais. Agora, está na hora de garantir que as investidas coming-of-age tomem força considerável para que as falhas, as inseguranças e os medos dos protagonistas e coadjuvantes dialoguem com os espectadores e os mostrem sob uma nova ótica. O resultado não poderia ser diferente: a 3ª temporada beira a maestria e deixa bem claro que, a partir daí, não há mais espaço para ter medo em ousar para além das obviedades.
Como bem sabemos, Nick (Kit Connor) e Charlie (Joe Locke) seguem em um relacionamento que, à superfície, parece livre de quaisquer obstáculos. Porém, os oito capítulos abrem espaço para que os dois comecem a demonstrar uma vulnerabilidade que é, ao mesmo tempo, necessária e envolvente: de um lado, Nick se vê encurralado num beco sem saída, não sabendo se deve ficar ao lado de Charlie e escolher uma universidade perto de sua cidade natal, ou se deve se colocar em primeiro lugar ao menos uma vez na vida; em contraposição, Charlie lida com seus próprios problemas, passando por um crescente distúrbio alimentar que ele não aceita ter – até se sentir no fundo do poço, espiralando em um inescapável labirinto mental que pode colocar sua relação com Nick em perigo.
Apesar da questão dramática ter peso inegavelmente maior no ciclo em questão, Oseman garante que a condução do enredo não seja uma novela, e sim uma exploração do que significa ser um adolescente Gen-Z e onde a pós-modernidade, infelizmente, é um fator determinante para a autoaceitação. Há fragmentações de personalidade e de caráter que tornam os personagens mais palpáveis e palatáveis, talvez como resposta a algumas críticas acerca da hiper-romantização da experiência queer comentadas por certos espectadores: para além de Nick e Charlie, temos Yasmin (Elle Argent) singrando pelas atribulações de ser uma mulher trans, mas querer ser reconhecida por sua arte e pelas habilidades que têm a oferecer; Isaac (Tobie Donovan) continua a explorar sua assexualidade arromântica e percebe que o que acreditava reconhecer sobre si mesmo era apenas um espectro; e Darcy (Kizzy Edgell), também se redescobrindo, permite se entender como uma pessoa não-binária.
Percebemos como a temática LGBTQIA+ continua importante, mas a ideia aqui é estender as ramificações tanto para questões sexuais quanto para incursões sobre saúde mental. Nick e Charlie enfrentam seus próprios obstáculos e, quando conseguem superá-los, têm certeza de que estão mais unidos e mais fortes do que antes – podendo deixar que as impulsões carnais sejam colocadas em pauta, mas de maneira sutil e muito natural; Yasmin compreende que confia o suficiente em Tao (William Gao) para que eles fiquem mais íntimos, ambos se sentindo confortáveis para isso; e Tara (Corinna Brown) se vê navegando por crises de pânico quando a pressão por uma perfeição inatingível, seja no relacionamento com Darcy, seja no que sua família e seus amigos esperam de seu futuro.
Enquanto o roteiro acerta em cheio no desenvolvimento das múltiplas tramas, sem deixar os episódios sobrecarregados ou cansativos, não podemos desviar o olhar para as pontuais falhas que, na verdade, destinam-se ao capítulo de encerramento do terceiro ciclo: afinal, considerando o que Nick e Charlie, nossos reais protagonistas, enfrentaram – incluindo problemas familiares que servem de impulso para que eles se envolvam cada vez mais -, a conclusão do ciclo é um tanto quanto anticlimática (mas não em um sentido positivo). Não obstante essa espécie de “frustração”, a conclusão já começa a fomentar o que esperaremos da próxima temporada.
‘Heartstopper’ retorna em boa forma e nos presenteando com seu melhor até então, não pensando duas vezes antes dar todas as cartas do jogo e assegurar um ritmo íntegro e uma atmosfera bem arquitetada e equilibrada que sabe usar o melodrama e a tragicomédia a seu favor e nos convidar a uma instigante montanha-russa emocional que reitera a série como um dos maiores acertos da Netflix.