As fake news – notícias falsas em português – têm dado o que falar ultimamente. Boatos, mentiras e difamações sempre existiram. São práticas que acompanham as sociedades humanas e talvez seja impossível determinar a sua origem. Acontece que hoje em dia, com a internet, a coisa ganhou proporções inéditas.
Dá pra dizer que atualmente há uma indústria de fake news que age no mundo todo com finalidades econômicas e políticas, utilizando-se de sites e, principalmente, das redes sociais para propagar informações mentirosas.
O problema é que as fake news, quando amplamente disseminadas, podem ter consequências trágicas.
1 – O caso da Escola Base
A disseminação de fake news não depende necessariamente da internet. Bastam a irresponsabilidade de algumas pessoas, a ignorância de outras e meios de comunicação igualmente irresponsáveis para completar o serviço.
Nesse sentido, o caso da Escola de Educação Infantil Base, em São Paulo, é emblemático.
Em 1994, duas mães fizeram boletim de ocorrência porque suspeitavam de que seus filhos de quatro e cinco anos sofriam abusos sexuais na escola. Para pressionar as autoridades policiais, chamaram a imprensa. Notícias em tom acusatório passaram a ser veiculadas, sem que houvesse a devida apuração e sem que se aguardasse o desenrolar das investigações. A opinião pública já havia feito o seu julgamento.
Manchetes sensacionalistas tomaram conta das capas dos jornais de todo o Brasil e criaram um clima de caça às bruxas. A fachada da casa dos donos da escola foi pichada com acusações de pedofilia. O linchamento moral também atingiu os funcionários da escola, que chegaram a receber ameaças de morte por telefone.
Resultado: a escola teve de ser fechada, pessoas perderam seus empregos e reputações foram arruinadas. Ao fim das investigações, ficou comprovada a inocência de todos os envolvidos, que foram devidamente indenizados por danos morais e materiais. Mas o estrago feito na vida dessas pessoas era irreparável.
2 – Linchamento de uma mulher no Guarujá
Hoje em dia, com a internet e as redes sociais, as fake news ganharam um impulso assustador. Um boato, que geralmente não sabe de onde vem, pode se espalhar em poucos minutos.
Foi o que aconteceu no dia 3 de maio de 2014, no Guarujá. Dois dias antes, um administrador de uma página de Facebook havia feito uma postagem alertando a população local sobre uma suposta mulher que sequestrava crianças para fazer rituais de feitiçaria. A postagem ainda incluía uma retrato falado da suposta criminosa.
Tudo fake news. Segundo a polícia, não havia nenhum caso de sequestro de crianças na cidade.
Uma mulher de 33 anos, casada e mãe de dois filhos, foi identificada como a suposta sequestradora quando se dirigia à casa de suas primas no bairro de Mortinhos. O linchamento reuniu dezenas de pessoas e foi filmado por câmeras de celular. A mulher morreu dois dias depois.
Cinco pessoas foram acusadas do crime e condenadas à pena máxima de 30 anos. O administrador da página de Facebook, responsável pela criação da notícia falsa, passou ileso, já que a legislação da época ainda não previa punição a quem incitasse a violência por meio da internet.
Hoje, a Lei 7544/14, criada após o assassinato do Guarujá, prevê multa e detenção para pessoas que incitem a violência via internet.
3 – Linchamento de duas pessoas no México
Novamente, fake news relacionadas a rapto de crianças levaram a uma tragédia, desta vez na pequena cidade de Acatlán, no México.
O meio de propagação do boato foi o WhatsApp. A mensagem, amplamente compartilhada, dizia que uma quadrilha de traficantes de órgãos vinha atuando no México e que nos últimos dias algumas crianças haviam sido encontradas mortas.
No dia 29 de agosto de 2018, um estudante de direito e seu tio, um agricultor, foram ao centro da cidade para comprar materiais de construção, mas acabaram detidos pela polícia após serem abordados por moradores locais. Pessoas diziam que eles estavam envolvidos com o sequestro de crianças alardeado nas redes sociais.
O boato de que dois integrantes da quadrilha estavam detidos na delegacia se espalhou rapidamente via WhatsApp e Facebook. Em pouco tempo, uma multidão se reuniu em frente à delegacia. Quando os dois homens foram liberados, a multidão os espancou e queimou vivos, tudo transmitido em livestream na internet.
Nenhuma criança havia sido sequestrada. Nenhuma queixa havia sido feita. A notícia falsa gerou pânico e a generalização desse pânico levou pessoas a cometerem esse crime bárbaro.
Quatro pessoas foram acusadas por assassinato e outras cinco por instigar o crime.
4 – Linchamento de sete pessoas na Índia
“Nenhum caso de sequestro infantil foi reportado por aqui nos últimos tempos”, disse ao jornal The New York Times o porta-voz da polícia da vila de Ghatshila, localizada no estado indiano de Jharkhand.
Mesmo assim, sete pessoas foram agredidas até a morte por multidões furiosas em maio de 2017 em Jharkhand, todas elas acusadas injustamente de sequestrar crianças. Mais uma vez, mentiras impulsionadas pelas redes sociais sobre quadrilhas de sequestradores de crianças levaram pessoas a fazerem justiça com as próprias mãos.
Ruas foram bloqueadas por pessoas armadas. Houve abordagem de “pessoas estranhas” que andavam nas ruas. O clima de perseguição, originado em correntes de WhatsApp, mobilizou centenas de pessoas que promoveram dois ataques no estado de Jharkhand. Alguns acusados conseguiram fugir da fúria da multidão. Sete deles, pedestres inocentes, não tiveram a mesma sorte.
Ao todo 20 pessoas, identificadas pela polícia local como autoras do crime, foram presas por assassinato. Os oficiais responsáveis pelas delegacias da região foram afastados de suas funções.
5 – Fake news: uma questão de saúde pública
Ao promoverem a desinformação, as fake news também podem ser uma ameaça à saúde da população. Esse debate veio à tona em 2018, quando o Brasil enfrentou o maior surto de febre amarela desde 1980, ano em que o governo iniciou o registro dos casos da doença.
O maior alvo das notícias falsas foi a vacina. Uma das fake news dizia que a vacina poderia provocar autismo. Outra alertava para os riscos da pessoa contrair meningite. Correntes de WhatsApp recomendavam receitas naturais como formas alternativas de se prevenir da picada do mosquito. Um áudio em que uma suposta médica alertava para terríveis efeitos colaterais da vacina foi amplamente compartilhado.
De acordo com médico infectologista André Siqueira, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), é tudo mentira. “Os eventos adversos que acontecem são extremamente raros. A vacina é a melhor forma de combater a doença”, disse ele ao portal do G1 em janeiro de 2018.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a vacinação é a via mais eficaz de prevenção da doença, cuja letalidade é alta.
Mas a desinformação foi tanta que houve impactos negativos no número de pessoas imunizadas em 2018. É o que disse a epidemiologista franco-americana Laurence Cibrelus, que coordena o combate à febre amarela dentro da Organização Mundial da Saúde (OMS). Entrevistada pelo portal do G1 em maio de 2018, ela confirmou que as fake news podem ter sido um dos fatores que levaram menos pessoas do que o esperado aos postos de vacinação naquele ano.
Entre 1º de julho de 2017 e 28 de fevereiro de 2018, foram registrados no Brasil 723 casos da doença, com 237 mortes.
Mas como saber se uma notícia é falsa?
Nem sempre é fácil identificar uma notícia falsa na internet. Há, no entanto, algumas dicas bem simples que podem te ajudar a não cair nas fake news.
1 – Fique com um pé atrás com as tais correntes de WhatsApp, principalmente aquelas que não citam fontes. Se, por exemplo, uma quadrilha de sequestradores de crianças está agindo numa determinada região, dificilmente o caso ainda não foi parar na grande imprensa. Correntes de WhatsApp não são fontes confiáveis.
2 – Uma das formas de se prevenir contra fake news é checar informações, ou seja, verificar se a informação foi divulgada por meios de comunicação tradicionais. Use o Google para isso. Ainda que você desconfie da chamada grande imprensa, uma coisa é certa: se uma corrente de WhatsApp faz uma revelação bombástica que não se encontra em nenhum veículo de comunicação (jornais, sites ou revistas), talvez seja a hora de começar a desconfiar da veracidade da notícia, não é mesmo?
3 – O mesmo vale para quando lemos uma notícia em um blog ou site. É sempre bom diversificar nossas fontes de informação.
4 – Além disso, é preciso ficar atento à identidade do autor da postagem ou do texto que se está lendo. Quem é essa pessoa? Para quem ela trabalha? O que é esse site ou blog para quem essa pessoa escreve? Será que esse veículo (blog, site) tem credibilidade?
5 – Fique atento às datas. É comum recebermos notícias que não são fakes, mas são antigas. Convém abrir a notícia e verificar a data em que ela foi escrita. Isso pode evitar sérios equívocos.
Lembre-se: antes de compartilhar, tente checar. Você é responsável por aquilo que compartilha. Notícias falsas só têm o poder de levar multidões criminosas às ruas ou interferir nas metas de vacinação do governo porque foram compartilhadas inúmeras vezes.
Mas felizmente o avanço das fake news felizmente é acompanhado de perto por muita gente disposta a combatê-las. Hoje em dia, existem no mundo todo agências que checam a veracidade das informações veiculadas na internet. A primeira delas a surgir no Brasil é a Agência Lupa, que faz parte de uma rede internacional de fact-checkers criada pelo Poynter Institute, organização de pesquisa sediada nos Estados Unidos.
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