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Como estimular experiências de leitura na infância

Mariana e Murilo, filhos da Camila Comitre, praticando a leitura na rotina

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Fui ansiosa para me alfabetizar e curiosa para ler na infância. Nessa época sempre ouvia dos adultos: “tal aluno lê bastante, ele é muito inteligente!”. Conectar a prática da leitura e as grandes bibliotecas à pessoas estudiosas e, por consequência, mais inteligentes, era algo muito comum em minha cabeça de criança.

Camila Comitre lendo na infância
Camila Comitre lendo em um evento escolar

Eu não tinha muitos livros infantis, tínhamos coleção de gibis e muitos, muitos livros técnicos dos meus pais, os quais eu adorava folhear e manusear. Eu lia de rótulos a revistas e consegui desenvolver gosto pelas palavras mesmo tendo uma miopia muito alta desde os 7 anos. Eu lia em voz alta sempre que a professora pedia e me sentia muito orgulhosa por isso. Na segunda série, no Dia do Livro, eu li para as demais salas algum texto que me lembro apenas da frase final: “por isso, livro querido, te quero muito bem”, que de alguma maneira, deu potência ao meu amor por ler. Neste evento ganhei o livro “O Jacarezinho Egoísta”, história que decorei cada vírgula.

Conforme cresci e conheci os benefícios da leitura e o quanto ela nos auxilia, além da informação que os livros entregam, minha visão sobre seu papel foi se transformando. Ao me tornar mãe descobri o universo da leitura infantil como aliado em desenvolvimento cognitivo e intelectual, e ainda como suporte para construção de experiências significativas, tanto para as crianças, como para a família e seus momentos únicos de fortalecimento de vínculos. Em relação a leitura para crianças atípicas, partimos para um outro lugar com desafios e práticas específicas, porém com um enorme potencial de estímulo e diversão e vamos falar um pouco sobre tudo isso: leitura, diversão, aprendizagem e conexão com os pequenos.

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Leitura e família

Quando as crianças ainda eram bebês, me lembro de ter entrado no site de uma editora que vendia materiais pedagógicos e ter feito uma grande compra, parcelada em várias vezes, de livros, cubos de histórias, entre outros materiais de leitura. O investimento relativamente caro refletia a minha preocupação e o valor que eu dava em estimular desde cedo que o contato com o mundo dos livros.

Com a Mari e o Mumu bebês eu conhecia pouco do poder das histórias e da leitura para o desenvolvimento, mas por ter adquirido instrumentos de leitura, minha consciência ficava mais tranquila quando aquela voz interior gritava: “crie crianças leitoras e inteligentes”, dentre tantas coisas que gritam junto, como “alimente as crianças com coisas saudáveis” ou “seja mais presente, trabalhe menos, acolha mais” nesse grande surto que é a cabeça materna.

Mari e Mumu lendo juntos
Mariana e Murilo folheando junto um livro

Fazer com que os livros estivessem misturados com os brinquedos, acessíveis e com apelo lúdico com certeza foi uma grande sacada que fiz de maneira muito intuitiva. Meus filhos desde bem pequenos nunca olharam para livros como uma obrigação ou como um monte de títulos coloridos que ficam expostos numa estante. Os livros estavam à mão para serem abertos, tocados, cheirados em experiências inicialmente sensoriais, porém sempre divertidas. Hoje entendo que pais que leem ensinam pelo hábito e exemplo, que uma curadoria bacana faz toda a diferença e que a rotina de leitura pode ser criada e nutrida.

A leitura e a escola

Quando as crianças entraram em fase escolar, as experiências de leitura foram se diversificando, sendo vivências sociais mais ampliadas, com a oportunidade de ouvir histórias contadas por outras pessoas além da mamãe e do papai. Agora eles podiam trocar ideias, observar e ouvir a opinião dos colegas sobre uma mesma história. Nesta fase eu achava que a leitura sempre teria que ensinar algo, então escolhia apenas livros com algum “objetivo moral”. Aos poucos fui percebendo que esse meu movimento deixou nossos momentos de leitura em casa com cara de “palestrinha” e eu não queria que eles vissem a leitura como uma obrigação sem prazer.

Mari folheando um livro sozinha
Mariana, ainda pequena, explorando um livro infantil

Na verdade, não havia problemas em escolher livros que trabalhassem temas específicos, mas eu errei em duas questões: na maneira de apresentar, com jeito de professora e não de facilitadora, e também quando não equilibrei esses títulos com temas leves e de diversão. Um dia conversei com a professora falando que as crianças não estavam motivadas com os momentos de leitura em casa, que não prestavam atenção e ela me disse que na escola estava tudo normal.

Nesse instante, voltei a transformar a hora da leitura em algo leve, independente do tema do livro, deixando que as crianças fossem as protagonistas desde a escolha dos títulos até a exposição das partes que mais gostaram e do que acharam mais importante, divertido e diferente naquela história. Hoje alguns títulos escolhemos juntos, outros eles que escolhem sozinhos, além de trocarmos e emprestarmos os livros que formam nossa biblioteca, que está sempre se renovando.

Ler e a experiência de curiosidade

Meus filhos são atípicos e, por consequência, têm tendências a serem mais seletivos ou repetitivos com alguns temas. A leitura foi, desde sempre, uma construção de rotina, como muitas outras conquistas. Quando conhecemos a Dentro da História, que trouxe a oportunidade de conexão de personagens conhecidos ao nome deles no livro, foi algo inovador. Mari e Mumu aos poucos vivenciaram experiências inusitadas por meio dos livros, estimulando ainda mais esse entendimento sobre o mundo real e o mundo simbólico, da imaginação.

Murilo com seu livro personalizado Rua das Vogais em seu momento de leitura

Nesse artigo, falo um pouco sobre leitura e autismo, mas em resumo o protagonismo deles como personagens estimulou a curiosidade e a abertura a histórias diferentes das que eles estavam acostumados. Essa abertura ao novo, à vontade de conhecer outras realidades são habilidades socioemocionais que influenciam diretamente o aprendizado e, talvez esteja aí a verdadeira inteligência: a curiosidade para aprender.

As crianças crescem, as fases e interesses mudam, mas volta e meia eu os vejo visitar títulos antigos, queridos, contando histórias para os primos menores ou até mesmo para as bonecas. Hoje ambos pesquisam na internet sobre personagens, buscam histórias dos autores e tem outras “curadorias” por meio dos influencers que eles curtem. Mas nossa construção juntos sobre leitura, conexão e vínculo é contínua: ouço atentamente meus filhos contarem suas histórias e isso é lindo. Eu simplesmente deito e ouço e quero saber mais do mundo deles, porque no final é sobre isso – conversas que falam da vida e memórias afetivas adoçadas sempre com “um livro querido que queremos muito bem”.

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